E
foi assim, dando licença para a senhora atrás dela na lanchonete,
que Regina percebeu que há semanas não se olhava no espelho. Ao se
afastar para que a outra fizesse o seu pedido, com pena de tal
pessoa, tão cheia de olheiras, mal arrumada e com o cabelo tão
armado, ela fixou o olhar na no metal polido, e, além das coxinhas
que se proibira de comer há meses – salgados assados pareciam tão
mais saudáveis -, Regina observou aquela moça de olhos vazios e se
assustou ao perceber que os olhos castanhos que a encaravam de volta
não eram outros senão os seus. Um acontecimento que pareceria
cômico a pessoas mais sensatas, causou impressões indeléveis na
sensível Regina.
Do
alto dos seus vinte e muitos anos, não reconhecer sua imagem no
espelho fez com que ela se perguntasse quem ela era realmente: aquela
garota, ainda cheia de sonhos e possibilidades como ela às vezes
costumava se imaginar, ou aquele rosto desesperançado, com olhos
mortiços e lábios contraídos que a observava da estufa meio vazia.
A imagem que Regina havia cuidadosamente construído para si sobre
ela mesma entrou em conflito com aquilo que, agora ela notava, o
mundo via dela: se em seus devaneios ela se via como uma mulher
envelhecendo, mas mantendo a essência de menina - e ela não usava
ainda aquele velho par de All Star? - de repente, e em choque, se deu
conta de que provavelmente que o mundo veria era uma senhora casada
chegando próxima aos trinta, engordando freneticamente e preguiçosa
demais para começar a se cuidar. Aos seus olhos, o amor do seu
marido seria incondicional e, portanto, não havia necessidade de
gastar um dinheiro que ela não tinha para satisfazer vaidades que
não eram realmente importantes: maquiagem? Roupas novas? Mas e o
seguro do carro? A conta de luz atrasada? No fim, Regina percebeu que
por não valorizar a aparência chegara a um ponto sem volta: o
dinheiro não podia ser desculpa por ela ter, simplesmente, deixado
de olhar no espelho.
A
questão, ela de repente percebeu, era que noventa por cento de sua
vida era interior: em seus pensamentos, ela ganhava títulos, era
reconhecida, tomava decisões, ensaiava diálogos e discutia
situações as quais nunca teria coragem de confrontar de verdade, e,
com a riqueza do mundo criado por ela, a chamada realidade começou
a desvanecer... Assim, sentimentos e aspirações começaram a
estourar como bolhas de sabão: não era que ela não amasse mais as
pessoas próximas, simplesmente estava apartada delas, em sua redoma
de cristal furta-cor. Às vezes, ela se esforçava para vir à tona:
conversava, dava conselhos e ajudava a tantos quanto pudesse, mas, de
fato, era como se ela vivesse em um castelo onde as situações
comuns não podiam alcançá-la. Aos poucos o mundo de todas as
outras pessoas do mundo se tornou sépia, e Regina se sentia apagada
nele: era só nesse mundo amarelado que ela era a mulher
d
os
olhos de deserto. No seu, se quisesse, poderia ter olhos de ressaca,
ou de algodão doce.
Com inspiração tirada daqui.
Um comentário:
Ótima crônica :)
Bjs.
Postar um comentário