terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Cidadezinha


 A velha cidade dormitava entre montanhas. Seus habitantes, divididos entre a nostalgia e a desesperança, vagavam pelas ruazinhas com olhos vazios e ombros caídos. Os mais jovens buscando oportunidades melhores se mudavam assim que percebiam que o marasmo não era passageiro: a ferrovia, antes sinônimo de progresso e desenvolvimento e agora tomada por mato e ferrugem, atestava a passagem do tempo e sua irremediabilidade. Era, sobretudo, uma cidade de velhos e crianças, e os jovens que não conseguiam fugir, estavam fadados a envelhecer rápido, senão pelo acréscimo de rugas aos rostos, então pela perda do brilhos dos olhos e o andar lento que adquiriam por voltas dos 20 e poucos. Pelas manhãs, todos se encontravam nas janelas, debruçados sobre seus cotovelos e as maravilhas passadas:
-Tanto potencial! O presidente inaugurando a estrada de ferro, as damas com vestidos rendados , as crianças em seus babados e os cavaleiros garbosos com seus chapéus e ternos engomados!
Um sentimento de inquietude, mesclado a incredulidade dominava a maioria dos que paravam para pensar: o que fora feito de tanto futuro, tantos sonhos? Como era possível que uma cidade morresse? Nas pequenas vendas com seus balcões empoeirados os menos – ou mais?- corajosos afogavam suas angústias em cachaça, e por isso era ora execrados, ora invejados pelos que persistiam em viver a situação sem o embotamento da mente.
Aos domingos, depois da missa, todos davam voltas na praça central, elogiando a calma e tranquilidade que só encontrariam em uma cidade como aquela, convencendo-se, e aos outros, que o silêncio era maior vantagem do que crescer. E quem gostaria de crescer, com tanta poluição e maldade no resto do mundo? Esmagados por uma modernidade da qual não podiam fazer parte, agiam qual avestruzes, evitando ver a luz do sol para não desejarem seu brilho.
Os que absolutamente exaustos desistiam e saíam da cidade eram tratados como traidores, responsáveis diretos pela ruína do lugar, e, ao mesmo tempo aguardados com ansiedade, pois só assim o mundo exterior penetrava naquele lugar esquecido. A verdade, no entanto, era que quem saía não mais voltava: bombardeados com a velocidade do mundo moderno passavam a duvidar de sua existência anterior, rindo dos hábitos arcaicos e se esforçando para mudar seus antigos costumes e se adaptar a sua nova realidade.
Eis que um dia um deles voltou: conhecido como João Foguete, havia desde a infância sonhado em fugir daquele lugar, mas uma vez na cidade grande, pôs-se a rememorar a vida na sua vila e dedicou-se a descobrir uma maneira de modernizar a cidade. De tanto pensar em ferrovias imaginárias, minerações exauridas e lavouras ressecadas, Foguete finalmente percebeu que a única coisa que a cidade tinha a vender era a si mesma: em mundo em constantes modificações, onde tudo acontecia na velocidade da luz e as pessoas não tinham tempo de se conhecer, com certeza muitos pagariam pela tranquila ilusão de viver em outros tempos, mais calmos e com valores imutáveis.
Com a dose certa de publicidade, combinada a um grande poder persuasivo, João convenceu a cidade de seus planos turísticos, e as pessoas da cidade grande de que eles precisavam de algo diferente de vez em quando, para os lembrar de quem eles eram. Hoje em dia, as senhoras continuam a se debruçar nas janelas, e os jovens ainda passeiam na praça aos domingos, só que agora flertando e rindo, mostrando a todos os “estrangeiros” quão felizes eles são na simplicidade em que vivem, afastados da vida moderna.
Os que se atrevem, porém, a mudar para a cidadezinha logo se sentem ludibriados: por trás das matronas na janelas, televisões de lcd e notebooks se escondem, e passados os períodos de férias e finais de semana movimentados, a moças trigueiras trocam seus vestidos rodados por calças jeans e dançam ao som do funk, que infesta a praça central. Alguns velhos moradores ainda reclamam a calma perdida, porém a a maioria, alucinada com a modernidade recente, esqueceu-se de pensar, e agradece todos os dias ao prefeito João Foguete.

2 comentários:

Adelaide Araçai disse...

Tem tanta cidade precisando de um Prefeito João Foguete....menina meu marido nasceu numa cidade que tem aguas termais, detalhe os empresários até construiram um mega hotel para aproveitar tudo isso, mas a chegada na cidade é triste, tem uma ou outra casa bonita saindo mais a parte que depende da prefeitura está abandonada....eu fico indignada. Bora mandar clonar o João Foguete...rsrs

Abraços

Patty disse...

Eu gosto de cidadezinhas!